LINHAS CRIATIVAS

 

 

//

 

Programa de Desenvolvimento Artístico: No âmbito das Comemorações do Bicentenário das Linhas de Torres Vedras, a Transforma integra na sua programação o projecto Linhas Criativas, no qual participam cinco criadores, cinco tutores e um documentalista. Os cinco criadores referidos operam em cinco áreas artísticas diferenciadas, tomando e questionando factos históricos como motor dos seus processos criativos: cinema, artes plásticas, design de moda, música e design gráfico.

 

Apresentações:


# PASTEL DAS LINHAS (TRANSAÇÕES DA MEMÓRIA), Ivo Andrade (PT), Artes Plásticas/Acontecimento/Instalação


# JOGO DO GANSO (EDIÇÃO ESPECIAL LINHAS DE TORRES), João Faustino (PT), Design Gráfico


# WELLINGTON O TIGRE, NAPOLEÃO O URSO, Cristina Neves (PT), Design de Moda


# LINHAS CRIATIVAS, Miguel Samarão (PT), Música.


# UNFORGIVABLE BATTLES, Tiago Pereira (PT), Cinema.

 

 

Visite o Blog das Linhas Criativas.
 


Documentação:


# LINHAS (D)ESCRITAS, Rita Teles (PT)

 

Data de Apresentação - 29 de Janeiro a 26 de Fevereiro 2011

Local - Transforma, Praça do Município 8, Torres Vedras

 

 

No âmbito do projecto Linhas Criativas, a Transforma convidou 5 artistas de 5 áreas diferentes (Cinema, Desenho/Fotografia, Música, Design Moda e Design Gráfico) a criarem uma obra que evocasse de forma contemporânea o tema das Comemorações das Linhas de Torres, facilitando-lhes os meios necessários à criação e à apresentação de cada um dos projectos artísticos resultantes. O processo criativo desenrolou-se de formas distintas para cada um dos trabalhos, tendo no entanto começado para todos com 3 momentos informativos comuns de carácter histórico e programático, conduzidos por Paulo Ferreira (…), Carlos Guardado (…) e Isabel Silva (…).
Foi proposto aos criadores que o seu trabalho fosse tutorado (discutido e orientado) por uma figura de relevo no panorama cultural, de escolha livre por cada artista (ex.: o Chefe Henrique Sá-Pessoa no projecto de Artes-Plásticas, o Designer Ricardo Santos no projecto de Design Gráfico), e que assentasse nas premissas de um diálogo e o de um contacto próximos com a cidade, e que nesse quadro reflectisse um olhar original e actual e que espelhasse características da própria cidade e das suas diversas comunidades.
Após a apresentação de todas as obras dos cinco artistas, podemos observar e comparar quais os pontos de referência de cada um, os pontos de partida e de chegada, e perceber que novos conteúdos se criaram a partir da matéria-prima inicial: as Linhas de Torres. E estas primeiras Linhas de Torres são memória. A realidade é histórica e, por maior que tenha sido a sua influência para a nossa história (torreense, portuguesa, europeia, mundial, humana), a importância e os efeitos das Linhas são verdadeiros mas estão diluídos no tempo, nos nossos espaços e nas histórias que até nós chegaram, daí que a matéria bruta a partir da qual foram forjadas estas cinco obras sejam uma ideia e não um material físico, um espaço, um objecto. Não é de estranhar então que tenham resultado não apenas 5 trabalhos diferentes mas 5 ideias muito distintas sobre o que foram e são as Linhas de Torres.
Quando questionado sobre o que significam as Linhas, Ivo Andrade refere sempre o lado humano: “as Linhas podem ser um baile comemorativo onde uma mulher conhece o seu marido”. A memória como sopro inicial do seu trabalho não poderia deixar de resultar num projecto que brinca com a dimensão dos factos, das lembranças e da realidade. A vida não parou durante as Linhas, a vida não pára durante a guerra, e esses momentos, tal como as próprias Comemorações das Linhas, permitem a criação de memórias e de transacções de ideias, e disso nos apercebemos enquanto comemos um pastel de chícharo e lemos uma memória que alguém escreveu sem saber que seria para nós. A humanidade é feita de histórias.
“Portugal na altura foi basicamente usado como um tabuleiro de jogo” afirma João Faustino a propósito da sua abordagem às Linhas, que resultou ela mesma num tabuleiro de dimensões ampliadas, conjugando uma linguagem moderna e simbólica, limpa e clara, acessível a um recife imaginário não só contemporâneo mas também ancestral. Através da reinvenção de um jogo que tem atravessado as fronteiras do tempo e do espaço, o criador João Faustino apela à ideia de que as “regras do jogo” e os seus agentes não são assim tão diferentes de época para época, mas também como o factor aleatório afecta e determina o percurso de um país e de uma identidade, reflectindo neste jogo não só a ideia de que a guerra é um jogo, mas de que a História é vulnerável ao efeito sorte/azar.
E que tal como na vida - o Jogo do Ganso é também conhecido como o Jogo da Vida - criar um caminho é conjugar fatalismos com oportunidades, condicionamentos com criatividade, num diálogo tão rico quanto possível como este projecto que cria uma dialéctica mitos/símbolos/modernidade.
“O meu trabalho tem sempre um lado de brincadeira” conta-nos Cristina Neves. Espelhando a era de entretenimento em que vivemos existem duas ideias centrais que unem as bicentenárias Linhas de Torres e as Linhas de Cristina Neves: que a História são figuras e que, neste caso, com o destaque dado para Wellington e para Napoleão (e não, por exemplo, para o anónimo povo português), das Linhas falam de uma dicotomia cultural inglesa versus francesa. Na altura como hoje, infelizmente, não é bom sinal que não sejamos agentes e que estas duas nações ainda se imponham dentro das nossas fronteiras, tal como à época, como fortes determinadores do presente e do futuro. Somos anónimos e anónimos restaremos? Será que Wellington e Napoleão são o que sempre será lembrado internacionalmente quanto às Linhas de Torres? Com ironia, podemos através do projecto de Cristina Neves, brincar com os dois opositores bonecos e lembrar que enquanto eles ficaram para a História, essa mesma História é nossa e pode ser recriada pelas mãos de uma criança.
Apenas existem dois tipos de vitória numa guerra: ganhar poder sobre alguém ou conseguir resistir a esse poder forçado. Invasores e invadidos, a história repete-se. Libertar-nos de malhas imperialistas foi a grande vitória das Linhas de Torres e a força matriz por detrás da obra do compositor Miguel Samarão. Questiona-nos sobre o que celebramos e faz-nos reflectir sobre duas possibilidades de final, ambas bélicas: a glória da liberdade ou a vitória da dominação. Não celebramos apenas uma vitória sobre os franceses, mas sim um marco histórico como o da Primeira Grande Guerra ou o da 2ªGuerra Mundial: o direito a uma identidade. Uma identidade manifestada em cada peça de arte, em cada diálogo e em cada expressão. Fazer arte para celebrar o direito é a tradução da peça musical do compositor.
Tiago Pereira dirige em tempo real os sons e imagens da instalação-vídeo que conduz. As imagens são de cavalarias e feridos, filmes históricos remisturados ao prazer das suas necessidades e os sons, também eles manipulados, são de dor, ruído e repetição. “O som nas batalhas era insuportável” diz. O que lhe interessa são as experiências sensoriais vividas na época, em especial esse ruído ensurdecedor de fundo de homens a atacar e a serem atacados, de gritos, de quedas, de raiva e de medo. Tudo isto vai surgindo num ecrã dividido em três sequências visuais acompanhado de sons repetidos. A repetição extrema relembra a ideia de trauma que se manifesta num padrão desgastante. O artista visual Tiago Pereira pega nas batalhas para as trazer até nós sob imagens de filmes, num padrão que pode ser alongado interminavelmente, no qual ninguém fala, lembrando-nos que a dor está fechada em si mesma e que os sentidos também contam a História.
São cinco visões e impressões diferentes sobre as Linhas de Torres que terão com certeza também todas elas uma continuidade diferente no tempo e no espaço. Os fenómenos abordados foram desde a memória, o azar, o aleatório, a liberdade, as sensações, as fardas, o imaginário, o povo, o dia-a-dia, a luta, a força, a coragem e a cor. Os resultados formam um mesmo espectro de ideias. Convidar artistas a pensar a história a partir de uma abordagem contemporânea é o mesmo que convidar o público para vir descobrir as peças, não se pede que se goste, pede-se que se expresse uma nova ideia. O resultado deste projecto advirá sempre não das obras isoladas mas do diálogo com a comunidade, fazendo das Linhas Criativas um processo de criação colectiva para o Colectivo.

 

Rita Teles, Fevereiro de 2011